à luz de uma vela

Fotografia de Jorge Molder.
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Interrompi outra leitura, regresso ao evitável.
Contemplo o lago informe onde dou umas braçadas: já pensei ser tanta coisa. Mas as velas continuam a arder, e continuarão enquanto existirem velas e eu tiver dinheiro para as comprar. Gostava de saber fazê-las.
Escrevo, e há esta apneia quase mística em que me questiono, dou-me um tempo diferente. Um tempo cheio de significados, sem que eu pense muito neles. Não há um esforço de entendimento.
Tudo disperso: até os meus escritos, por diferentes cadernos.
Há estas ilusões, como o preferir parar de outras maneiras, infrutíferas, só porque aos olhos de outros são frutíferas. A vida torna-se um contínuo mostrar, ou mostrar que.
Estou farta da língua e das suas invisíveis teias. Estou farta de todos os seus aspectos, de reparar tanto neles. Estou farta desta comunicação que se acentua por enganos, com enganos e para os enganos.
E pensar que é desta potencialidade perversa que nasce a poesia.
Escrever pode ser um reduto, mas é melhor que se saiba o que se escreve.
A falta de concentração vem da presença constante dos outros, que podem nem estar presentes, mas o seu movimento tácito entre mim e mim aborrece-me.
Sempre tive na ideia que certas situações não fazem sentido nenhum. Mas vejo agora que fazem, tudo, mesmo o que não faz, faz. Porque não faz sentido numa certa ordem das coisas, mas faz porque nós permitimos que fizesse. Também estou farta da irresponsabilidade humana e de não saber viver. Não sou a única.
É tão fácil usar de filosofia barata para nos justificarmos. Há tantos recursos à nossa volta e dentro de nós, é só escolher um. É tão fácil dizer "não sei".
Queremos a solidão para estar em paz e depois povoamo-la de monstros para não estarmos sozinhos.
E não posso deixar de escrever agora que adoro folhas de papel amarelecidas e levemente enrugadas e o gosto dos Japoneses pela maravilha do pormenor. Também estou farta do lugar que as palavras devem ter numa frase e do lugar que as frases devem ter num texto e do lugar que cada um deve ter no mundo, estou farta da sintaxe e da saudade.
Descobrir a espontaneidade do ser e admiti-la e professá-la, é o que eu queria. Olhar para os outros e não olhar para mim pelos outros, porque isso sim é umbiguismo ou o que se queira chamar, é o que eu queria.
Há um verso do Rilke... "Mas nós quando intentamos uma coisa, inteiramente, sentimos já o custo de outra a desdobrar-se".
Eu acho que só criamos para nos justificarmos perante o mundo. Toda a criação é um pedido de desculpa, ou tão só um pedido, como a velinha que o crente acende perante a imagem do santo. Eu acho que vivemos um poema, cheio de palavras simbólicas, que são o que são e o que conotam.
Eu acho que a luz de uma vela (quando é vermelha, larga e suficientemente alta, de maneira que o pavio, à medida que arda, vá criando uma cratera cada vez mais funda donde vibra a luz, sendo os limites da vela o seu próprio quebra-luz), eu acho que essa luz é muito bela.