olhavia


Fotografia de Anke Merzbach.
____________________________

Havia uma mulher só com dois olhos que vivia agora. Por mais que nos esforçássemos, não a víamos nem ontem nem amanhã. Não era possível recordarmo-nos dela. Não conseguíamos sonhar com ela. Não valia a pena tentar premeditá-la. Ela tinha dois grandes olhos sem pupilas, cada um com a sua cor, indefinida, inconstante. Num instante assim noutro assim. Mas nós não reparávamos nisso, porque a cada instante ela era como uma pessoa que nunca tínhamos conhecido. Instante a instante, ela desolhava, ela olhouvia, ela olholvidava, ela olhobscurecia, estendendo os olhos aos seres perdidos e ignorantes. Dos seus olhos, o espanto. Perguntava-se em que instante lhe daríamos um par de pupilas.