seres da noite



Os seres da noite são sempre misteriosos. Quando ouvimos o bater da porta de um carro, lá fora, na noite escura-hostil-fria, por detrás das densas persianas cerradas do nosso quarto: sentimos sempre o calafrio do mistério. "Quem está a chegar a casa às 4 da manhã de uma quarta-feira? Porquê? Qual será a sua história?". O mesmo se passa quando entrevemos certa luz tímida e alaranjada no apartamento defronte, e, esquecendo o nosso próprio estado miserável de vigilantes involutários, nos deixamos absorver pelo calor da insónia alheia, tentando adivinhar a sua génese. Há a palpitação do inquietante segredo, mas também há esta simpatia comovente que o banaliza; um braço de compaixão que se estende e que transmuta o tétrico e sombrio em amor. E o nosso braço abraça esse ser da noite, tresmalhado. E já não dormimos sozinhos.