amar! amar!... e não amar ninguém!



Pediram-me para escrever sobre o Amor, porque isso vende e ganha leitores. Quando lhes falei sobre o Amor, aos meus meios, mandaram-me calar e disseram:

“estás a ser incoerente; o Amor é como a Religião – é isto ou aquilo.”

Não concordo nada, nem no que diz respeito ao Amor nem no que diz respeito à Religião. Mas isso é outro assunto.

Pode falar do amor quem acha que nunca amou? (pelo menos segundo a epistemologia ocidental moderna, baseada em textos sagrados como os argumentos do «Sex and the City»?). Não me acho esquisita. Acho que há pessoas para tudo. Há aquelas que são biologicamente aptas para seguir uma carreira e há aquelas que são desbiológicas. Há as que são feitas para amar uma pessoa e há as que sentem amor mas não amam particularmente. Talvez tudo isto seja um grande disparate, mas não devem os disparates ser partilhados também? [Porque é que só nos mostram a perfeição, os resultados depurados, e não nos permitem a leitura da inconsistência escrita humana num mundo onde o que vinga é a inconsistência humana?]
                                                                                                                                  Eis porque não consigo maldizer o rapaz que faz acrobacias com tochas em frente ao semáforo encarnado ali à Avenida da Liberdade, com os seus 3 cães deitados no alcatrão – ainda que veja os preconceitos ainda em mim.]

Dedilho estas teclas, as próprias teclas olham-me, julgam-me, perguntam-me, e não querem que lhes carregue em certas letras e para certos fardos. Podia manuscrever, mas agora não me dá jeito. É efeito do Facebook? Talvez. A minha perspetiva da escrita mudou e os meus tempos criativos foram ocupados de outra forma, menos brilhante. Eu que vou sair do Facebook, mas guardar na memória do meu portátil todos os amigos do Facebook, com respetivos endereços, e escrever-lhes, se não para suas casas, então para suas bolhas de ocupação diária internética. Tornar-me um estorvo, como as publicidades. [Publicidade? Aqui não. Obrigada].

Uns amigos pediram-me para eu escrever de Amor, porque isso vende e toda a gente gosta de ler sobre o Amor; porque todos sofrem disso (se isto não é já per se uma inconsistência...). Estive a ouvir uma pessoa de que gosto especialmente, o Sogyal Rinponche (não têm de saber quem ele é), e ele dizia: “querem que eu fale sobre relações? eu falo...: um fala, o outro ouve, com atenção. e vice-versa. e amam-se por isso. o que querem que eu diga mais?”. Não foi bem assim que ele falou, mas eu traduzo assim, com a minha imensa liberdade de tradutora simultânea. Eu digo: há os que são feitos para amar, e há aqueles que nem por isso dessa forma. Não quer dizer que sejam anormais. Há quem não pense em ter filhos. Há quem não pense em encontrar um homem (falo na minha perspetiva feminina; mas revirem-na e adaptem-na como quiserem aos vossos gostos). Há quem não pense em casamento; em casal; em vida feliz no lar ideal partilhado, assim. Não é egoísmo. É caráter, se quiserem. Tem de haver equilíbrio em tudo, até nisto. E se todos fossem inclinados para o mesmo não haveria lugar para o humor.

Há tantos erros que passam quando escrevemos ao teclado e isso não acontece quando escrevemos num caderno, à mão. Tenho tanta pena. As minhas mãos não me dizem nada quando escrevo neste teclado; e são tão expressivas quando pego numa caneta (qualquer) e escrevo em folha branca, com lágrimas ou risos nos dedos. Agora, os meus dedos parecem inchados.

Pediram-me para falar sobre o Amor. Ele acontece e podemos aceitá-lo. Mas porquê excluir os que não se governam por essa lei, pelo menos mediante essas (as vossas! as do mundo!) cláusulas?

Há uns tempos li um texto do José Luís Peixoto (graças ao Facebook...), onde ele falava sobre o amor, e um supermercado, e os verdadeiros momentos de amor que são aqueles que partilhamos a fazer compras no supermercado, etc. Tem todo o direito: muito bonito. Mas quando é que as pessoas acordarão para a sua própria consciência, bloqueando (como bloqueamos um e-mail inimigo nas nossas contas do Gmail) a entrada desse invasor: que é a expetativa dos outros, a conveniência, o romantismo "engagé", a deturpação da tese da cultura e propagação das espécies desde Darwin, etc?

Eu não amo ninguém dessa forma, como o Peixoto fala, e a Margarida Rebelo Pinto, e quase todos os outros (provavelmente, fazem-no mais por motivos comerciais do que pessoais, espero): não, Desculpem lá; nunca serei uma bestseller e nunca me convidarão para ser entrevistada no Jornal de Letras. Eu falo do amor assim:

Satisfazes? satisfazes. caso contigo, ou não; mas vivo contigo. temos filhos, ou não; mas podemos querê-los. somos felizes enquanto for possível, de preferência – sempre. Não me satisfazes? não me satisfazes. não tenho medo, digo que não. não amo quem não me satisfaz.

A musiquinha de elevador não me confunde. Não me dizes nada. E eu não quero usar-te, obrigada. Há tanto com que me entreter – uma sex shop de mim própria e das minhas ideias.

Obrigada.