a mão



Gosto de me deitar e, às escuras, esticar a mão (que me lembra sempre a mão da capa do álbum dos Dead Can Dance, «Into the Labyrinth»), esticar o braço - olhar aquela sombra negra, inquietante e prodigiosa, como um monstro mitológico, recortada no espaço vazio. Desde pequena que crio pequenos diálogos com a minha mão assim, içada contra o sono. Houve momentos da minha vida em que a usei para ensaiar instantes de teatro. Na fase árdua dos 13 anos, chegava a beijá-la - como se ela fosse o meu primeiro namorado que teria de saber beijar. Habituei-me a ver a minha mão, com o seu braço - que é o seu corpo -, como um ser independente, que até pensa e fala e me aconselha, nas ruínas da noite e da profundidade que com ela vem, invadindo o escuro e o silêncio com a sua qualidade de planta infestante e trepadeira, espetando os seus rebentos vigorosos quando não há distrações mundanas. Içada como uma vela nada branda, a minha mão move-se por si mesma e faz de alguém que vela por mim. Às vezes, assusta-me. Parece uma alforreca no mar do ar que o meu quarto respira. E depois há frinchas - sombras de frinchas - e corpos - sombras de corpos que as atravessam - pelas paredes. E há eu a pensar em filmes noir e a compreender intimamente de onde eles vêm. Quem quer que tenha momentos destes amará o cinema e a literatura - e toda a arte, na verdade. E admirará a ousadia daqueles que, sentindo o mesmo, foram capazes de tentar explicá-lo ao mundo.
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Uma inspiração: O dedo Tony